No campo do desemprego, jovens e profissionais experientes travam uma batalha ferrenha por uma vaga de trabalho. De um lado jovens recém chegados ao mercado de trabalho com pouca experiência e poucas oportunidades. Do outro, profissionais experientes com currículo acima da média, que aceitam salários mais baixos na busca por uma recolocação profissional.

É sem dúvida uma equação difícil de resolver, pois as vagas são poucas e as empresas exigem de mais e empregam cada vez menos. "O fato é que o Brasil passa por uma das piores crises de sua história, e se não bastasse sofremos com as incertezas políticas e econômicas que travam o mercado e produz milhões de desempregados", diz Canindé Pegado, presidente do SINCAB.

Eliel Froes Figueiredo, 24 anos, perdeu o emprego há quase um ano. Ketuly Izidorio da Silva, também de 24 anos, está sem carteira assinada desde agosto de 2015. Paulo Cirulli, 37, está prestes a completar dois anos nessa fila. Sem encontrar emprego após um ano de procura, Luiz Henrique Salles Cabreira, de 37 anos, tenta se tornar microempresário.

Os quatro fazem parte das estatísticas do desemprego no país, que incluem outros cerca de 11,4 milhões de pessoas. E os números não poupam ninguém: o desemprego atinge tanto quem entrou no mercado de trabalho há pouco tempo quanto os mais experientes.

O G1 foi ouvir as histórias de brasileiros que estão enfrentando o desemprego e buscando alternativas para conseguir renda.

 

'Nunca passei por isso'

Eliel Froes Figueiredo, de 24 anos, perdeu seu emprego com carteira assinada em agosto do ano passado. Ficou 8 meses sem trabalho até conseguir em abril uma vaga temporária, que ocupou por apenas dois meses. Teve que sair porque a empresa ia para Mauá, no ABC, e ele mora em Barueri, na região metropolitana. “Ia ficar muito longe, ia acordar cedo demais e chegar tarde em casa”, diz.

Figueiredo, que tem nível médio, trabalhou em sete empresas até hoje – em quatro delas teve a carteira assinada. Sua área de atuação é logística e seu sonho é fazer faculdade de gestão de qualidade.

No último emprego, em que ficou por três anos, trabalhava como conferente de produtos, no setor de recebimento e expedição, numa empresa de Barueri. Foi demitido por causa da crise. “Fiquei triste porque pago aluguel e sabia que não ia ser fácil arrumar outro por causa da crise”, diz. Sua premonição se concretizou. Apesar de já ter começado a procurar emprego antes mesmo de começar a receber o seguro-desemprego, só conseguiu mesmo o trabalho temporário. “Faço entrevistas, mas não consigo nada”, diz.

“Eu procuro emprego como se estivesse trabalhando, é todo dia, eu levo a sério a busca por trabalho”, afirma. Por enquanto, é a mulher dele que está segurando as despesas da casa.

Figueiredo começou a trabalhar com 18 anos e diz que nunca tinha ficado tanto tempo sem emprego. “Nunca tive dificuldades pra conseguir trabalho, foi minha segunda demissão. Na primeira fiquei três meses sem trabalhar porque não estava correndo atrás de serviço. Nunca passei por uma situação dessas, nunca imaginei que fosse chegar a esse ponto. Mas tudo leva a um aprendizado”, diz.

Se ficar muito difícil de conseguir emprego em logística, Figueiredo diz que tentará emprego em outras áreas, mas que não exijam experiência, como vendas, e cogita se candidatar às vagas temporárias de final de ano.

 

11 meses sem emprego

Ketuly Izidorio da Silva, de 24 anos, trabalhou como coordenadora num quiosque de acessórios infantis em shopping center por 9 meses, mas depois disso não conseguiu mais trabalho. Em agosto faz um ano que não tem registro em carteira.

Segundo ela, o emprego e o salário eram bons, mas com a carga horária puxada acabou tendo problemas de saúde que se agravaram, o que fez com que ela tivesse que tirar licenças médicas frequentes. “Como era responsável pelo quiosque, a dona não gostou das minhas faltas. Eu pedi para ser mandada embora para fazer tratamento, mas ela não concordou e me fez pedir demissão para não ter que pagar meus direitos”, conta.

Nos dois empregos anteriores, nos quais trabalhou por um ano, ela foi demitida – trabalhou como vendedora e gerente de loja, mas com a queda nas vendas foi dispensada.

Para a jovem, o que pesa é a escolaridade – ela não tem ensino médio completo, pois parou de estudar no segundo ano. Mas Ketuly diz que tem experiência na área de varejo e também como auxiliar administrativa. “Meu currículo é bom, mas o que pesa mesmo é a escolaridade”, lamenta. Ketuly está tentando vaga em escola pública para cursar o último ano do ensino médio.

Como ela gosta de trabalhar com vendas, tem comprado roupas para revender em grupos de WhatsApp e no Facebook com a ajuda das amigas na divulgação. Ela não tem dinheiro para comprar muita mercadoria, por isso vende somente para os conhecidos.

Ketuly considera o momento difícil, mas mantém a esperança de arrumar um emprego. “Meu sonho é ter minha lojinha, e conforme minhas vendas forem crescendo quem sabe consigo. E com um emprego posso ter mais capital para abrir o negócio”, diz.

“Esperança a gente sempre tem, mas às vezes fico meio desacreditada porque vou fazer um ano entregando currículos e até agora nada. Não fui chamada para nenhuma entrevista, até refiz o currículo e nada”, lamenta.

 

Experiência demais pode ser ruim

Paulo Cirulli, de 34 anos, trabalhou oito anos na Bolsa de Valores de São Paulo (Bovespa), quando foi demitido em 2014, e desde então está desempregado. Cirulli se formou em administração na FGV em 2004, fez pós-graduação e atualmente está fazendo direito. Cirulli acredita que uma das razões pela sua dificuldade em voltar ao mercado de trabalho é seu currículo “matador”.

Em sua procura por recolocação, além de estar fazendo nova graduação, ele ampliou o leque da busca para além da sua última área de atuação, aceitando até cargos de nível hierárquico inferior ao anterior, com ajuda de uma consultoria de RH. Cirulli decidiu ainda arriscar no ramo de empreendedorismo em dois negócios próprios em parceria com amigos e cogita abrir um restaurante com outro amigo.

Além disso, graças à sua rede de contatos, fez algumas consultorias financeiras nos negócios de seus conhecidos. “A rede de pessoas se mantém ativa, mas o volume de pessoas em busca de oportunidade é muito, muito grande. Há uma enorme saturação de pessoas para as poucas oportunidades disponíveis. Para uma vaga divulgada você tem sempre em torno de 2 mil pessoas se candidatando. Isso é fora da realidade”, afirma.

No início, Cirulli procurou emprego na mesma área em que atuou por último e na posição hierárquica equivalente. Mas a dificuldade fez com que ele ampliasse a sua procura para outros setores e se dispusesse a aceitar cargos de nível inferior. Mas nem assim ele consegue uma recolocação.

A duras penas, Cirulli descobriu que experiência demais pode ser ruim. “Pelo fato de haver um contingente muito grande de pessoas desempregadas há uma enorme desvalorização da capacitação e formação que cada um tem”, diz.

“Além da desconfiança do empresariado pela incerteza política, aprofundamento da crise econômica e mudanças grandes na estrutura do país e do mercado, uma das justificativas que me dão é que meu currículo é bom, e profissional assim é caro. Pago por ter uma boa formação, ter conseguido bons cargos e posições em minha trajetória profissional. Esse tem sido um estigma difícil de mudar nas pessoas que me entrevistam”, comenta.

 

Descobrindo habilidades

Luiz Henrique Salles Cabreira, de 37 anos, teve uma carreira que muitos profissionais sonhariam em ter. Ele se graduou nos EUA, onde morou por 6 anos, chegou a cargo de gerência numa grande empresa e trabalhou no exterior. No entanto, desde que deixou o último emprego para tirar um período sabático e voltar a estudar, não conseguiu mais retornar ao mercado de trabalho.

Depois de deixar em 2011 a Odebrecht, onde ficou por seis anos e chegou a gerente administrativo e de RH, trabalhando em países da África e Oriente Médio, Cabreira decidiu estudar para concurso público para ser diplomata, mas não passou. Ele decidiu então voltar ao mercado de trabalho e ficou um ano se dedicando integralmente à busca por emprego.

A meta foi buscar algo próximo do emprego anterior, como pequena gerência, supervisão e coordenadoria. Ele tentou arrumar emprego buscando sua rede de contatos, chegou a fazer entrevistas, mas a resposta sempre era de que não poderiam contratá-lo por causa da conjuntura atual. Além disso, descobriu que o longo período que ficou afastado do mercado acabou sendo empecilho para conseguir emprego novamente. Pesou ainda o excesso de qualificações.

“Ouvia como justificativa que estava há muito tempo parado e que eu era muito caro para a empresa por ser muito capacitado para a vaga e vi que não teria saída”, conta.

Até que tomou a decisão de se tornar microempreendedor em 2015 e chegou a emplacar seus serviços de consultoria. No entanto, com a queda na demanda em decorrência da crise econômica, em janeiro e fevereiro trabalhou como motorista do Uber. Além disso, fez serviços de tradução e deu aulas de inglês para complementar a renda.

Apesar de todas as dificuldades enfrentadas, Cabreira vê seu momento de transição como uma evolução. “Olhando por um prisma otimista, descobri muitas habilidades. Seria ruim se eu não tivesse capacidade de me adaptar”, diz.

Desde março ele prioriza a ampliação do negócio para se tornar um pequeno empresário junto com um parceiro. Ele diz que não tem como prioridade voltar para o mercado de trabalho.

“A gente tem que perceber o que está acontecendo, e não é só no Brasil, o empreendedorismo é uma tendência mundial. A formalidade no emprego está mudando, ainda existe, mas a população cresce e a com idade para trabalhar também, mas a quantidade de empregos formais cai, então não haverá recolocação pra todo mundo”, prevê.

 

Jovem sofre mais

A crise econômica levou a taxa de desemprego para 11,2% no trimestre terminado em maio. Mas nessa estatística entram principalmente os jovens. Levantamento do Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea) mostra que a faixa etária entre 14 e 24 anos é a mais afetada pelo desemprego. No 4° trimestre de 2015, o índice era de 15,25% e passou para 26,36% no 1° trimestre deste ano.

Nos dois últimos trimestres do ano passado, houve um aumento na probabilidade de o jovem perder o emprego. E a chance de achar um emprego está tendo queda desde 2014. Nesse caso entram dois fatores: a própria escassez de vagas e a concorrência de profissionais mais experientes que estão aceitando trabalhar por uma remuneração menor.

Por outro lado, o aumento do desemprego não tem sido ainda mais intenso porque muitos trabalhadores têm tomado a iniciativa de trabalhar por conta própria. Os autônomos aumentaram 4,3% na comparação com o trimestre de março a maio de 2015 - acréscimo de 952 mil, segundo o IBGE.

De acordo com Fernando Medina, diretor de operações da Luandre, uma das maiores agências de recrutamento do país, os profissionais estão levando mais tempo para conseguir recolocação e isso acaba alterando as características do mercado de trabalho. A principal é que, com a crise, os jovens estão tendo que lidar com uma realidade inédita: a escassez de vagas abertas e a competição por postos de trabalho com candidatos mais experientes.

“A pessoa que demorava um mês agora leva de 3 a 6 meses. E como consequência aceita salários menores e oportunidades que não aceitariam ou cargos menores. Uma pessoa que é mais velha e que ganhava R$ 3 mil como analista pleno aceita R$ 2,5 mil como analista júnior para se recolocar no mercado de trabalho. Então quem tem o perfil para analista júnior não consegue a vaga porque concorre com uma pessoa que tem mais experiência que ela. Assim, o jovem concorre com pessoas com mais experiência que aceitam ganhar a mesma coisa que ele”, explica.

Segundo ele, em momento de crise é comum as pessoas demorarem mais para se recolocar e aceitam oportunidades que não aceitariam se estivessem em um mercado de trabalho aquecido. “Quem mais acaba sofrendo é o jovem, que é o mais afetado porque a corda acaba arrebentado para o lado mais fraco que é quem tem menos experiência.”

Medina recomenda que as pessoas fiquem atentas às empresas que ainda estão contratando apesar da crise. Ele cita como exemplo as da área de saúde, cujo impacto da crise tem sido menor. “Há ainda as empresas que contratam, mas em menor quantidade que no ano passado, como as das áreas de logística e varejo”, diz.

O consultor de RH ressalta que é comum empresas fecharem uma vaga e abrir outra com salário menor. Além disso, as pessoas em busca de recolocação acabam aceitando ganhar menos para não ficarem sem emprego.