O que esperar de uma economia tão combalida, cheia de tantas expectativas, mas sem nenhuma resposta para dar? São muitas as dúvidas de milhões de brasileiros, que procuram sobreviver frente a uma crise que já provocou o fechamento de milhares de empresas e confiscou 12 milhões de vagas no mercado formal de trabalho.

"Patrões e empregados continuam reféns da instabilidade provocada pela recessão que começou em 2014 e tomou conta do país. Cada dia é uma nova batalha e um salve-se quem puder. Temos um PIB que não esboça reação, uma inflação que corrói o bolso do consumidor e uma taxa de juros que impede o crescimento e os investimentos. Enfim, o futuro a Deus pertence", exclama Canindé Pegado, presidente do SINCAB.

"Tava bom, disse que ia mudar para melhor, não tava muito bom, tava meio ruim também, tava ruim, agora parece que piorou."

A frase acima faz parte de uma reportagem de TV que virou piada na internet há alguns anos. A construção do entrevistado é confusa, mas ajuda a entender como milhões de brasileiros se sentem sobre os rumos da economia: perdidos.

Apesar de o governo Michel Temer e parte dos economistas falarem em uma lenta recuperação, muita gente não vê isso na prática.

Os números também não têm uma direção clara. Depois de apresentar quedas menores no primeiro e segundo trimestres (0,3% e 0,6%, respectivamente), o PIB (Produto Interno Bruto), principal indicador do crescimento econômico, voltou a cair no terceiro trimestre, registrando queda de 0,8% entre julho e setembro. O dado foi divulgado nesta quarta-feira pelo IBGE (Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística).

Por sua vez, os analistas se dividem. Para o professor Pedro Rossi, do Instituto de Economia da Unicamp, o país está andando de lado no fundo do poço" e não tem previsão de melhora. Já a economista Alessandra Ribeiro, da Tendências Consultoria, vê uma possibilidade de retomada em 2017.

Diante de tantas incertezas, a BBC Brasil foi falar com quem, assim como você, vive a crise todos os dias. Entrevistamos três brasileiros que administram negócios na indústria, comércio e serviços para saber como se viraram em tempos de aperto e o que esperam do ano que vem.

Leia abaixo as histórias de Dimitri, Lauro e Carmelina e veja se alguma delas tem a ver com sua.

 

Indústria: "Daqui para frente, vou só encontrar tempo bom"

A animação de Dimitri Ivanoff, de 56 anos, contrasta com o vazio de sua fábrica. Fundada em 1911 em São Paulo, a Oscar Flues, que produz máquinas de tampografia (impressão em qualquer superfície), perdeu mais da metade dos funcionários nos últimos dois anos. De 95, ficaram 40, que se espalham por grandes salas num silêncio interrompido pelo funcionamento das engrenagens.

Um "eterno otimista", o empresário mostra com entusiasmo os setores, explicando mecanismos e sistemas de segurança. No entanto, concorda que a crise foi grande, "a pior desde 1929". Os cortes foram acontecendo aos poucos, à medida que os pedidos diminuíam.

Um das remanescentes é Adriana Dias, há 13 anos na empresa. Numa tarde de quarta-feira, ela está sozinha na área de manutenção. Diz que foi difícil ver os colegas indo embora.

"Foi estranho e tenso. Você não sabia se ia sair ou não. Espero que em 2017 melhore muito." Se Adriana espera, Dimitri tem certeza. Ao andar pela fábrica, mostra mensagens de clientes no WhatsApp e repete que "crise é oportunidade". Ele fala de uma retomada.

"Hoje a indústria está andando um pouco melhor, a produção voltou a melhorar", diz. Para o proprietário da Oscar Flues, o governo de Dilma Rousseff gastou mais do que podia, desencadeando uma recessão.

Com a saída da petista, afirma, o orçamento pode ser colocado em ordem, levando confiança aos negócios.

Sorri e arregala os olhos ao dizer que a indústria é "a primeira a perceber a crise, mas também a primeira a sair".

A explicação é confirmada pela economista Alessandra Ribeiro, da Tendências Consultoria.

"A indústria reage antes, porque há um cenário de desvalorização da moeda, tornando-a mais competitiva do que os importados. E também porque começou a demitir muito antes. Hoje demite menos, já fez o grande ajuste."

Ribeiro concorda que a mudança de governo trouxe uma injeção de confiança, mas ressalta que ela vem enfraquecendo, porque não se refletiu em aumento do emprego e do investimento. No entanto, diz, se aprovadas a PEC (Proposta de Emenda Constitucional) para controlar os gastos públicos e a reforma da Previdência, o cenário deve melhorar.

"As medidas do governo são muito importantes para arrumar o ambiente macro."

As boas expectativas levam Dimitri a fazer planos. Para o próximo ano, projeta mais vendas e talvez aumentar o quadro de pessoal.

"Você conhece o caso do (Ernest) Shackleton? Ele ficou três anos preso no gelo e saiu de lá sozinho, com um barquinho à vela. Vai me dizer que o que vivemos é uma crise?"

Ao contar a história do explorador irlandês, o empresário aproveita a analogia marítima: "Daqui para frente, vou só encontrar tempo bom."

 

Comércio: "Tenho um otimismo de sobrevivência"

A crise foi um "teste de maturidade" para Lauro Pimenta, de 26 anos.

Proprietário de duas lojas no Brás, zona de comércio popular em São Paulo, Lauro teve sua primeira vez demitindo bons funcionários; sua primeira vez perdoando cheques de clientes fiéis e endividados; sua primeira vez consolando um fornecedor que, aos prantos, pedia para manter o contrato.

Responsável pela Luppeper Jeans e Multimarcas Dejelone desde os 18 anos, quando a mãe se afastou da administração, diz que foi difícil dispensar vendedoras que o viram criança. "Siane", grita em direção ao caixa. "Você me conhece desde o quê? Treze anos?" Do balcão, Siane acena com a cabeça.

"Ela me via voltando do colégio, de uniforme, para ajudar os meus pais", conta.

"É um desconforto incrível. Parece que estou tirando a comida da boca do filho delas."

2015 foi o ano do baque, diz Lauro. Na comparação com 2014, as vendas caíram 25%. Em 2016, houve estabilidade, mas ele não atribui a calma à mudança de governo, e sim ao frio. "Esfriou na época certa."

Segundo o empresário, Temer não passa confiança para sua clientela, já que boa parte dela nem o conhece.

"A saída de Dilma trouxe um alívio, porque ela era atrapalhada. Mas podia ter entrado qualquer um, até o (ex-prefeito de São Paulo) Celso Pitta, se estivesse vivo."

Além disso, pondera Lauro, o endividamento continua grande e a confiança começa a recuar. Depois de quatro meses de alta, o Índice Nacional de Expectativa do Consumidor (INEC) caiu em novembro. A retração foi de 1,1% em relação a outubro.

Para o professor da Unicamp Pedro Rossi, é natural que o otimismo não se mantenha só com o anúncio de medidas pelo ministro da Fazenda, Henrique Meirelles.

"O empresário vai investir quando há demanda do consumidor, não porque o governo fala de ajuste fiscal, ou porque é de direita ou de esquerda. Esses só são fatores de impulso quando há recuperação da renda."

Outro tema que aumenta os receios de Lauro são as suspeitas de corrupção na equipe do presidente. Ele aponta para a televisão. O jornal do meio-dia transmite uma reportagem sobre a renúncia de Geddel Viera Lima, que poucas horas antes era ministro da Secretaria de Governo. Ele deixou o cargo após o ex-ministro da Cultura Marcelo Calero dizer que sofrer pressão de Geddel para liberar a construção de um edifício.

"A base de apoio de Temer é totalmente vulnerável."

O professor Rossi diz que uma crise institucional pode levar a economia a níveis ainda mais baixos.

Portanto, para 2017 Lauro guarda um "otimismo de sobrevivência". Se ampara no "pior do que está não pode ficar" e espera estabilidade. Nada de aumentar a produção dos jeans de fabricação própria ou de contratações. Ele sabe que o comércio depende de os brasileiros terem o emprego e o salário de volta.

"Estou na ponta da ponta desse processo."

 

Serviços: "É o fim dos tempos"

Evangélica, Carmelina Carlos Moura, de 56 anos, tem uma visão bíblica do futuro da economia: o fim dos tempos. Sentada em uma poltrona vermelha, em sua Estrela Escola de Cabeleireiros, fala do medo do futuro.

"Se for igual a palavra de Deus, vai ficar cada vez pior. Estamos caminhando para o final dos tempos. Tenho fé que seja melhor, mas está complicado."

Carmelina abriu a escola há quatro anos, no segundo andar de uma casa na zona norte de São Paulo. O espaço é alugado e o pequeno número de alunos torna cada vez mais difícil fazer o pagamento em dia.

De vestido florido e chinelo, cruza as pernas para fazer as contas. Nos bons tempos de 2012 eram 25 inscritos no curso. Hoje são nove.

Durante a conversa com a BBC Brasil, só um homem trabalha na sala principal da escola. O baiano Clerique Carvalho Silva atende um adolescente que quer o cabelo raspadinho do lado e com topete em cima.

O serviço de um aprendiz custa R$ 5 e tem sido muito procurado, diz a cabeleireira. As opções mais caras não têm feito tanto sucesso.

"Cobro R$ 20 para fazer uma escova e o pessoal pergunta se não pode ser mais barato."

A maioria dos inscritos no curso são empregadas domésticas, frentistas, caixas, que querem abrir um negócio e melhorar de vida. A situação de Clerique é parecida. Ele trabalha no estacionamento de um supermercado e percebeu que precisava ter outra habilidade, caso fosse dispensado.

"Com essa crise, a empresa que a gente está nunca é garantida. Tem que garantir o futuro", diz, enquanto maneja a máquina zero.

O setor de serviços, do qual a cabeleireira faz parte, demorou para entrar em desaceleração, mas também é o último a se recuperar da crise, afirma a economista Alessandra Ribeiro, da Tendências Consultoria. Ele cresceu durante os governos petistas, mas agora amarga resultados ruins. Em setembro, o volume do setor caiu 4,9% ante o mesmo mês de 2015, segundo o IBGE. Foi a maior queda para o período desde 2012.

"Essa parte só melhora quando o mercado de trabalho começar a reagir, a renda voltar. Beleza e lazer são os últimos da cadeia."

A visão pessimista de Carmelina parece refletir os números. Ela não acha que o novo governo possa mudar a situação.

"Temer? Não conheço essa pessoa. Está tão embaraçado quanto nós." Com um dos cotovelos apoiados no braço da poltrona, segura o rosto e dá um suspiro. Carmelina se diz desiludida.

"Estou meio perdida. Parece que tudo está desmoronando de uma vez. O Brasil é um país tão rico, com tanto potencial e ver tanta gente na rua…"

Sem expectativas para 2017, pensa até em acabar com o negócio. A última vez que fechou uma escola foi em 1991, durante o mandato de Fernando Collor.

"Agora parece que está bem pior, o feijão custando R$ 20, e não sabemos o que vem pela frente."

Apática, olha fixamente para janela. "O amanhã a Deus pertence."

 

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