Seria correto o cidadão trabalhar 49 anos para poder ter direito a receber a sua aposentadoria integral, quando os políticos e militares tem regras diferenciadas? Essa é a pergunta que todos os brasileiros estão fazendo neste momento em que o governo mandou para o Congresso Nacional a PEC da reforma da Previdência, que se aprovada fará com que as pessoas comecem a trabalhar aos 16 anos e contribuam ao INSS pelos 49 anos seguintes, sem nenhuma interrupção para poderem receber a aposentadoria na integralidade.

Será justo que um cidadão passe o resto de sua vida trabalhando sem poder desfrutar do descanso merecido, somente porque a previdência está quebrada - fruto dos descalabros cometidos por governos anteriores- e o país para equilibrar suas contas e sair da recessão em que se encontra exige que a população se sacrifique ainda mais. Claro que não! Mas, é esse o aval que o governo espera receber da sociedade para poder tocar as reformas prometidas e, segundo promessas, recuperar a economia do país.

"Porém, essa batalha está apenas começando. A mídia e a população estão muito atentas a cada passo que acontece dentro do Congresso Nacional. Haverá também muita cobrança por parte dos sindicalistas para que sejam discutidos e acertados os pontos mais polêmicos da reforma, principalmente aqueles que prejudicam a classe trabalhadora. Se vai ter reforma é preciso que seja para todos e ninguém fique de fora, afinal de contas somos todos brasileiros", afirma Canindé Pegado, presidente do SINCAB.

Com as novas regras propostas pela reforma, será praticamente impossível se aposentar aos 65 anos de idade com o valor máximo do benefício. O brasileiro que pretende se aposentar ao atingir a idade mínima prevista na reforma terá perdas porque, para receber o teto da média dos salários, precisa começar a trabalhar aos 16 anos e contribuir ao INSS pelos 49 anos seguintes, sem qualquer interrupção. Porém, segundo especialistas, a reforma aproxima o Brasil das regras praticadas em outros países, onde também há uma redução dos ganhos após a aposentadoria.

Segundo especialistas, como a maioria dos brasileiros intercala períodos sem contribuição durante a vida ativa, seja pela perda de emprego, atuação na informalidade ou dedicação integral a pós-graduações, só conseguirá atender à exigência mais tarde. As regras atuais permitem que uma mulher que começou a trabalhar com carteira assinada aos 25 anos se aposente com o benefício integral aos 55, e o homem, aos 60 anos, segundo a Previcalc, especialista em cálculos previdenciários.

 

IMPACTO NA BAIXA RENDA

Para especialistas, com o endurecimento dessa regra, o governo quer desestimular as aposentadorias precoces e o acesso aos benefícios cheios, combinação que apontam como determinante para o atual déficit do sistema previdenciário. A mudança vai em linha com a realidade da maior parte dos países, onde a distância entre o valor do benefício e o salário do trabalhador na vida ativa é muito superior à do Brasil.

— Essa mudança é assustadora. A aposentadoria integral vai acabar. E mexe muito com a vida dos mais pobres e daqueles que têm baixa qualificação, que ficam por mais tempo na informalidade ou em serviços braçais. Como uma pessoa que trabalha no pesado fará isso por 49 anos? — questiona Jorge Boucinhas, professor de Direito Trabalhista e pesquisador do Núcleo de Estudo em Organizações e Pessoas da FGV-SP.

Luis Eduardo Afonso, economista do Faculdade de Economia, Administração e Contabilidade da USP, também concorda que a mudança trará perda de bem-estar ao obrigar o brasileiro a trabalhar por mais tempo para se aposentar com um salário maior. Defende, no entanto, que já passou da hora de o Brasil se adequar à realidade da maior parte dos países, onde o benefício não corresponde a mais do que 60% do salário da vida ativa. No Brasil, essa relação, chamada de taxa de reposição, pula para uma média de 82%, de acordo com estudo do economista.

— Estamos vivendo mais do que nossos pais e avós e temos de nos preparar para isso. Viver mais significa um esforço contribuitivo maior durante a vida ativa. E, dadas as características econômicas e demográficas do Brasil, não é possível sustentar um regime em que a pessoa se aposenta cedo e com a mesma renda de quando trabalhava. Em quase nenhum outro país esse benefício é tão alto — argumenta Afonso.

E essa relação é ainda maior para as mulheres (88,32%), para os aposentados por idade, que recebem em média 96% do último salário, e para os trabalhadores que não completaram o ensino fundamental (89%).

— Quanto menor a renda do trabalhador, maior é a chance de ele ter uma aposentadoria igual ou próxima ao que ele recebia no último emprego, porque o piso da previdência também é o mínimo (R$ 880). Já os mais escolarizados, que têm salário mais alto, esbarram no teto da Previdência, que é de R$ 5.189,82, mesmo que tenham remuneração superior — explica o economista da USP.

 

10 MILHÕES RECEBEM O MÍNIMO

Os dados mais atualizados da Previdência, do mês de outubro, confirmam a tese do especialista. Hoje, o valor médio dos benefícios pagos aos dez milhões de aposentados por idade — que geralmente têm salários mais baixos quando no mercado de trabalho — é R$ 887,85, praticamente igual ao mínimo.

Um levantamento da Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE) mapeou as taxas de reposição para trabalhadores masculinos em 43 países. No Brasil, os benefícios pagos aos homens equivalem, em média, a 76% do salário durante a vida ativa, enquanto que, na média dos 34 países desenvolvidos que representa, essa relação cai para 63%.

Paulo Tafner, a mudança soa como radical porque precisou corrigir o efeito de um acúmulo de anos em que a expectativa de vida cresceu junto com o número de aposentados sem que houvesse adequação às regras:

— As regras atuais foram feitas quando as pessoas morriam muito cedo, e o número de aposentados era muito pequeno. Mas as pessoas foram sobrevivendo, e mais gente se aposentando. É óbvio que o brasileiro terá de trabalhar mais, e os que têm uma situação financeira pior vão resmungar. Mas é impossível manter a regra atual, porque vai ser impagável.

 

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