Já se passaram 129 anos desde que a escravidão foi abolida no Brasil com a assinatura da Lei Áurea em 13 de maio de 1888, pela princesa Isabel. No entanto, o trabalho compulsório e o tráfico de pessoas permanecem existindo no Brasil atual, constituindo a chamada escravidão moderna, que difere substancialmente da anterior. Empresas submetem trabalhadores a condições análogas à de escravidão, praticando dumping social, situação em que uma empresa se beneficia dos custos baixos do trabalho precário para praticar a concorrência desleal e aumentar substancialmente os lucros.

"É uma situação imoral e absurda, ter que conviver nos dias de hoje com empresas que praticam atrocidades desta natureza. Empresários chineses chegam ao Brasil para explorar mão de obra escrava e se beneficiar do cultivo da soja, ignorando totalmente as condições de trabalho previstas na Lei. São aproveitadores sem escrúpulos que precisam ser punidos com muito rigor para impedir que essa prática se alastre pelo resto do país. Ainda bem que temos o Ministério Público do Trabalho sempre atento e que não deixa passar em branco essas aberrações. É preciso punição severa, pois o ser humano precisa ter condições dignas de emprego e salário", conclui Canindé Pegado, presidente do SINCAB.

Cofco Agri, multinacional chinesa alvo de fiscalização em abril que resultou no resgate de 31 trabalhadores em condições análogas às de escravos em Nova Maringá, a 392 km de Cuiabá, firmou Termo de Ajustamento de Conduta (TAC) com o Ministério Público do Trabalho em Mato Grosso (MPT-MT) e deverá pagar R$ 2 milhões de indenização por danos morais coletivos. Caso não pague no prazo estabelecido, a multa será de 50% sobre o valor da indenização.

O processo administrativo no Ministério do Trabalho ainda está em andamento. Em nota, a empresa lamentou o ocorrido e esclareceu que optou por um modelo lícito de contratação mediante intermediação obrigatória do sindicato local e que não submeteu os trabalhadores a condições degradantes.

Também disse que, antes mesmo de ser notificada pelo MPT, tomou medidas para adequar a situação. A companhia afirmou que está revisando todos os processos relacionados à contratação e aprimoramento das operações que envolvem fornecedores.

Por fim, a multinacional repudiou qualquer situação que comprometa as boas condições no ambiente de trabalho.

O prazo para que a empresa adote medidas relativas à saúde e segurança do trabalho é de 30 dias. A multa caso haja descumprimento é de R$ 5 mil por funcionário prejudicado e por cada uma das 27 cláusulas violadas, valor que deverá ser revertido para instituições ou projetos públicos ou privados com objetivos filantrópicos ou para promover conhecimento sobre os direitos dos trabalhadores.

A Cofco Agri faz parte da Cofco Internacional, grupo presente em 29 países e que teve faturamento nas vendas de US$ 16,9 bilhões no ano passado, segundo consta do site da companhia. O Sindicato dos Trabalhadores de Movimentação de Carga de Nova Maringá, responsável por ter recrutado os funcionários, também foi autuado por aliciamento e por reduzir alguém à condição análoga à de escravo.

Entre as irregularidades encontradas na fiscalização em Nova Maringá estão a superlotação nos dois locais em que os operários foram alojados - o que gerou transmissão de doenças como a gripe para os trabalhadores - presença de insetos, colchões rasgados, sujos e sem fornecimento de roupa de cama, ausência de produtos de higiene pessoal e alto índice de infecção.

Outros problemas verificados foram jornada exaustiva de trabalho, a não concessão do descanso semanal remunerado, o desrespeito ao 'horário de almoço', alimentação de má qualidade, o recebimento incompleto em relação à produtividade, a não comunicação de acidente de trabalho e restrição à locomoção.

Segundo o Ministério do Trabalho, essa foi a maior operação de resgate de trabalhadores em condições análogas à escravidão desde 2009, quando foram resgatados, numa propriedade rural de Sapezal, distante 473 km da capital, 78 pessoas.