Existem atualmente no ar vários conflitos pontuais no campo da produção e distribuição para TV por assinatura no Brasil. Muitos desses conflitos têm como epicentro a operadora Sky. Vale relembrar dois. O primeiro está na maneira pela qual a operadora decidiu demonstrar seu descontentamento com as propostas contidas no Projeto de Lei 29/2007. Recentemente, ela enviou carta aos seus assinantes afirmando que a aprovação do PL 29 resultaria, entre outras coisas, no aumento das mensalidades cobradas. Não há qualquer evidência disso. Disse também, em suas próprias palavras, que os mecanismos de reserva de mercado para a produção brasileira, previstos no projeto, representam ingerência ilegítima sobre a programação das redes.

Até a Agência Nacional do Cinema entrou na dança. Segundo a operadora, caberia à Ancine decidir o que o assinante brasileiro iria ver na televisão, configurando, portanto, uma seriíssima forma de intervenção estatal. O resultado é que a operadora acabou criando grande animosidade com os produtores brasileiros de conteúdo, que encheram as listas da internet e as caixas de mensagens dos parlamentares com queixas contra esse procedimento.

Mais recentemente, a Sky tomou uma providência prática: retirou de sua grade (ou, para ser mais preciso, de 99% dos pacotes que distribui) o Canal Brasil.

Eis aí uma boa chance para falar duas palavras sobre o Canal Brasil. O canal (não confundir com a TV Brasil, órgão da EBC, Empresa Brasileira de Comunicação) vem se constituindo, ao longo dos últimos 10 ou 12 anos, na principal instância de difusão do cinema brasileiro pela televisão. Recentemente, avançou bastante sobre isso. Deixou de ser apenas um canal de acervo para tornar-se um dos mais originais co-produtores de programas feitos especialmente para a televisão. Fez isso sem copiar modelos preexistentes, mas construindo um conteúdo arejado, plural (porque pensado por dezenas de produtores) e adequado à realidade orçamentária do canal. Essa "realidade orçamentária" passa, naturalmente, pela quantidade de assinantes que tem o canal, portanto pelo número de operadoras que o carregam e em que tipo de pacotes.

O mais delicado nesse imbróglio é que se consiga dissociar as questões pontuais envolvendo a Sky das questões – muito mais sérias e muito mais abrangentes – envolvendo o papel das operadoras, das redes e das programadoras na cadeia de valor da TV por assinatura.

Lutando por um espaço mínimo

Não custa nada voltar à origem para que os fatos fiquem mais claros. No mundo inteiro, a TV por assinatura nasceu como uma forma de multiplicar a quantidade de redes de televisão e, consequentemente, de provedores de conteúdo. Foi assim que, ainda no início dos anos 1980, nasceram nos EUA centenas de redes de televisão que vieram se somar às gigantescas broadcasters então existentes: ABC, CBS, NBC. Redes montadas para TV por assinatura, como HBO (e depois suas inúmeras filhotes), Cartoon, CNN, Discovery e ESPN; cerca de três centenas de novas redes mudaram a forma de organização da televisão, a sua economia, a distribuição da audiência e, sobretudo, multiplicaram astronomicamente a demanda por produção.

No Brasil, a partir do finalzinho de 1991, o ambiente de TV por assinatura não foi montado como uma forma de ampliar a produção nem a oferta de canais brasileiros independentes. Ao contrário, foi montado como um serviço para a distribuição de redes internacionais existentes. Visto por esse prisma, é natural que produtos brasileiros e canais brasileiros sejam encarados como intrusos na festa.

O equívoco, porém, consiste em deixar de perceber que televisão por assinatura não é serviço; televisão por assinatura é televisão. E mais: uma forma de televisão distinta e complementar à televisão aberta, generalista. A TV fechada pode dar-se ao luxo de ser segmentada, pode ocupar-se de falar com os nichos, não apenas com as massas; pode ser ousada, original, criativa. É justamente isso que lhe abre a possibilidade de criar novas formas e de seguir novos modelos de produção.

O Canal Brasil faz isso – e daí se tornou uma das redes mais arejadas dentre as distribuídas nos lineups brasileiros. Deveria estar sendo festejada publicamente por isso, não lutando para que operadoras que distribuem 300 redes estrangeiras lhe garantam um espaço qualquer, como acontece na Sky, ou lhe transfiram de pacotes premium para um pacote básico, como ocorre na Net.

Conteúdo brasileiro, só por favor

O que está em discussão não é a Sky, nem a Net, nem o Canal Brasil, mas a natureza do negócio de TV por assinatura no Brasil. Se o assinante é o objetivo final – isso a Sky admite e não há quem possa deixar de concordar – então, submeter o assinante a três centenas de canais semelhantes e escamotear dele a opção da diferença é uma atitude bastante perversa, para usar a palavra mais tênue. As operadoras têm que entender que prestam dois serviços de natureza diferente (o PL 29, aliás, faz essa distinção). Por um lado, instalam terminais nas casas dos assinantes. Por outro, empacotam os canais seguindo os seus próprios critérios, mas sem qualquer consulta ao usuário.

Tais serviços não podem ser confundidos. Nunca ocorreu a uma operadora de telefonia, por exemplo, dizer ao assinante com quem ele poderá falar ao telefone – e se isso acontecesse seria um escândalo de grandes proporções. Uma coisa, portanto, é a operadora; outra a empacotadora. Ao ocuparem o mesmo corpo, é natural o surgimento de conflitos de interesse. Empacotando os canais do jeito que desejam, as operadoras fixam, no consumidor, a impressão de que todo o ambiente de TV por assinatura se limite aos canais que lhe estão sendo oferecidos – a maior concessão às diferenças fica nos subprodutos – como se o Cinemax fosse o uma coisa, HBO outra, e estamos conversados.

Mas não é assim que a banda toca. Ao instalar um equipamento, o consumidor está fazendo exatamente isso: instalando um equipamento. Ao comprar programação, no entanto, não é razoável que suas opções se limitem a conteúdo estrangeiro e a redes estritamente semelhantes entre si. Ele tem pelo menos que saber o que existe, o que pode ser diferente daquilo que lhe está sendo apresentado como hegemônico. A espinha dorsal da TV por assinatura está na diversificação das redes e da oferta de produção, mas é difícil aceitar que essa diversificação valha apenas para o conteúdo estrangeiro – e o conteúdo brasileiro só possa aparecer por favor.

Ninguém fez favor algum para que nos anos 1980 aparecessem nos EUA as centenas de redes que se transformaram hoje em grandes corporações. Elas acabaram criando o conceito de redes internacionais, estão por toda parte e fizeram bem em aproveitar a chance.

O que as operadoras querem então que se crie no Brasil? Redes alienígenas?

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