"Angústia e desânimo são sintomas clássicos citados com freqüência por quem é obrigado a aderir ao lay-off. No setor automobilístico 8 mil trabalhadores já aderiram ao programa. Outros 30 mil estão no Programa de Proteção do Emprego (PPE). No PPE, os empregados têm sua jornada reduzida em até 30% e os salários têm redução equivalente, mas eles continuam nas fábricas. No lay-off, os trabalhadores ficam afastados das linhas de produção, sem saber se voltam ao emprego. A indústria automobilística vive uma das piores crises de sua história. No fim de 2015, as montadoras instaladas no país operavam com 50% de ociosidade. Enfim, a bonança cedeu lugar para a angustia de muitos trabalhadores, que viram seus sonhos e o futuro encolherem de uma só vez. A culpa todos já sabemos de quem é. De um governo sem rumo, ineficaz e sem perspectivas econômicas que possam melhorar a vida de seu povo, diz Canindé Pegado, presidente do SINCAB".

Há quase um ano, o metalúrgico Sergio Pedro Piauí, de 40 anos, mudou completamente a rotina. De líder de time numa das linhas de montagem da minivan Spin, fabricada pela General Motors em São Caetano do Sul, no ABC paulista, Piauí voltou para a sala de aula, duas vezes por semana, para aprender matemática financeira e empreendedorismo. Nos outros dias, dedica-se a levar os filhos à escola, cozinhar ou fazer a limpeza da casa. O que parece ser um cotidiano mais tranquilo, na verdade é um suplício para o metalúrgico. Ele é um dos quase 8 mil trabalhadores da indústria automobilística que estão no chamado regime de lay-off, ferramenta que permite a suspensão do contrato de trabalho em tempos de crise econômica, como a atual.

— Foi um choque quando recebi a notícia em maio passado. É melhor que ficar desempregado, mas a vida fica em suspenso, a gente vive na esperança de voltar. A palavra-chave é paciência — diz Piauí, casado e pai de três filhos.

 

O DESAFIO DE VOLTAR A ESTUDAR

A indústria automobilística é um dos setores que mais recorreram à suspensão do contrato de trabalho. No fim de 2015, as montadoras instaladas no país operavam com 50% de ociosidade. Em março deste ano, a ociosidade subiu para 64%. Nos três primeiros meses do ano, a produção despencou quase 28%, pior nível desde 2003. O resultado é que 13 mil vagas evaporaram desde 2013 e hoje o setor emprega 144 mil pessoas.

No setor de automóveis, além dos 8 mil trabalhadores em lay-off, mais 30,5 mil estão no Programa de Proteção do Emprego (PPE). No PPE, os empregados têm sua jornada reduzida em até 30% e os salários têm redução equivalente, mas eles continuam nas fábricas. No lay-off, os trabalhadores ficam afastados das linhas de produção. O programa dura cinco meses e pode ser prorrogado por mais cinco. Durante esse prazo, o trabalhador precisa fazer cursos de qualificação. Mas, em alguns casos, como na General Motors de São Caetano do Sul, os empregados estão em casa há quase um ano. O trabalhador recebe um benefício do FAT (Fundo de Amparo ao Trabalhador), que tem o mesmo teto do seguro-desemprego, de R$ 1.542,24, e o restante do salário é complementado pela empresa.

— Conseguimos a prorrogação do lay-off de 1.200 funcionários da GM por mais um mês, até 8 de abril. É mais um fôlego. A mão de obra está excedente para o nível atual de produção — diz Aparecido Inácio da Silva, presidente do sindicato dos metalúrgicos de São Caetano do Sul, que irá a Detroit para uma reunião com dirigentes da GM para discutir a questão.

 

A GM informou por meio de nota que continua negociando uma solução com o sindicato, já que este ano o mercado é quase 50% menor do que em 2013, o que exige "uma readequação da produção e da estrutura da empresa no país".

Angústia e desânimo são sintomas citados com frequência por quem é obrigado a aderir ao lay-off. A volta para a sala de aula, em programas de recapacitação, representa, por si só, um desafio, já que muitos deixaram de estudar há muito tempo. Todos os projetos para o futuro entram em compasso de espera: viagens de férias, troca do carro, reforma da casa... As despesas são revistas mês a mês para manter as contas em dia, mas nem sempre isso é possível.

— No mês passado, atrasei a prestação da escola da minha filha. Faço questão de dar a ela um estudo de qualidade — diz Tiago Romão da Silva, de 35 anos, metalúrgico da GM, em lay-off há 11 meses.

 

‘PODE SER ILUSÃO, MAS ACREDITO’

Ele suspendeu a ampliação da casa, cortou o churrasco com amigos no fim de semana e rompeu a tradição de visitar os parentes no Nordeste uma vez por ano. Além da incerteza sobre a volta ao trabalho, a renda de quem está em lay-off cai, em média, 30% porque o empregado perde alguns adicionais.

Eduardo Tenquini, de 37 anos, vive pela segunda vez a angústia de um lay-off. Há 14 anos funcionário da Volkswagen de São Bernardo do Campo, no ABC, ele foi informado no último dia 4 que seria afastado do trabalho. Na Volks, também foi implementado o Programa de Proteção ao Emprego (PPE), que prevê redução de 30% da jornada e do salário. Procurada a Volkswagen não comentou o lay-off em sua unidade.

— Tem gente que está longe do estudo há muito tempo e agora tem que aprender matemática aplicada. Muitos não acompanham as aulas e ficam deprimidos — conta Tenquini.

 

O psicológico Rodrigo Rosa, que presta atendimento a trabalhadores que tiveram os contratos de trabalho suspensos, conta que a situação pode levar à depressão em alguns casos. Segundo ele, muitos acabam minimizando a gravidade da situação econômica e política do país e mantêm inabalável a expectativa de voltar ao trabalho.

— A pessoa acredita que vai voltar, cria uma fantasia e, às vezes, fica sem enxergar a realidade. Se a volta a trabalho não acontece, pode até entrar em depressão — diz ele, que cita a insatisfação de muitos com o fato de que deixam de ser os provedores da família.

 

Ronaldo Granucci de Souza, de 30 anos, casado e sem filhos, vive esse conflito. Ele conta que os papéis se inverteram em sua casa. Ele trabalhava como operador de produção na GM de São Caetano e está afastado há quase um ano. Ele se esforça para manter em dia a prestação da casa própria e do carro, cortando outras despesas:

— Minha mulher sai para trabalhar e eu fico. É um pouco constrangedor. Tenho a expectativa de voltar ao trabalho. Pode ser ilusão, mas acredito nisso.

 

DIFICULDADE DE MUDAR DE ÁREA

Sidnei Domingues, de 42 anos, começou o mês de maio de 2015 com cinco dias de licença remunerada, que depois se transformaram em lay-off. Casado e pai de duas filhas, disse que a notícia foi um choque:

— Só na GM são 11 anos como metalúrgico. Espero voltar ao trabalho, mudar de carreira é uma decisão muito difícil.

 

Economista e especialista em gestão de carreiras, Edson Carli afirma que, embora com habilidades bastante específicas, como precisão, zelo pela qualidade e disciplina, os metalúrgicos têm dificuldades para vislumbrar outras áreas onde possam usar suas competências.

— Eles trabalham há tanto tempo nas linhas de montagem que não se enxergam em outra função. Poucos tentam se reposicionar no mercado — diz Carli, que reconhece que pedir demissão é um passo difícil.

 

Há 14 anos como metalúrgico na Ford, no polo de Camaçari, na Bahia, Marcelo Gonzaga de 39 anos, entrou em lay-off no dia 14 de março. Ele faz os cursos de qualificação profissional — obrigatórios no programa, mas investe num curso de rádio e tevê.

— A gente é metalúrgico hoje, mas nunca se sabe. Além da requalificação oferecida no lay-off, estou investindo num curso de rádio e tevê. Já promovo eventos nos fins de semana, pode ser uma alternativa — diz.

 

Em nota, a Ford informou que usa todas as ferramentas para “tratar do excedente da força de trabalho decorrente do fechamento do turno da noite da unidade de Camaçari”. A empresa diz que após abrir um Programa de Demissão Voluntária, teve de suspender o contrato de cerca de 900 funcionários.

 

 

Go to top
JSN Boot template designed by JoomlaShine.com