Em audiência pública conjunta durante toda a tarde desta terça-feira (7), cinco comissões permanentes do Senado deram continuidade à discussão sobre o projeto de lei da Câmara (PLC 116/10) que regulamenta o serviço de TV por assinatura por meio de qualquer meio eletrônico, estendendo a possibilidade de atuação no setor às companhias telefônicas.

A proposta recebeu duras críticas de alguns convidados, mas também foi apoiada por outros palestrantes e senadores. O presidente da Comissão de Constituição, Justiça e Cidadania (CCJ), senador Demóstenes Torres (DEM-GO), presidiu a reunião e reconheceu que o projeto apresenta vícios e problemas de constitucionalidade. Ao contrário da senadora Ideli Salvatti (PT-SC), que defendeu a aprovação da proposta ainda em 2010, Demóstenes disse que o projeto precisa ser aperfeiçoado pelos senadores, o que o levaria de volta para nova análise da Câmara dos Deputados.

Participaram da audiência pública representantes da empresa SKY, da Associação Brasileira de Radiodifusores (Abra), da Associação de Programadores de TV por Assinatura (ABPTA), da Associação Brasileira de Emissoras de Rádio e Televisão (Abert), da Associação Brasileira de Produtores Independentes de Televisão (ABPI-TV), da Agência Nacional de Telecomunicações (Anatel), da Associação das Produtoras Brasileiras de Audiovisual (APBA), do Sindicato da Indústria Audiovisual do Estado de São Paulo (Siaesp), do Departamento de Proteção e Defesa do Consumidor do Ministério da Justiça (DPDC-MJ), além do professor da Faculdade de Direito da Pontifícia Universidade Católica de São Paulo (PUC-SP) Jacintho Arruda Câmara, e os senadores Alvaro Dias (PSDB-PR), Marisa Serrano (PSDB-MS), Ideli Salvatti, Demóstenes Torres, Flexa Ribeiro (PSDB-PA), Jayme Campos (DEM-MT), Antonio Carlos Junior (DEM-BA) e Inácio Arruda (PCdoB-CE).

Fazendo uma análise constitucional do tema, o professor Jacintho Câmara disse que o estado brasileiro tem o dever de incentivar e fomentar as diversas manifestações culturais nacionais, mas ponderou que o sistema de cotas para a veiculação de produtos nacionais nos canais por assinatura pode ser entendido como intervencionista. O professor afirmou ainda que o empoderamento da Ancine previsto no projeto é possivelmente inconstitucional, bem como o credenciamento de empresas previsto no artigo 12 do PLC.

O conselheiro consultivo da Abra e presidente do Grupo Bandeirantes de Comunicação, João Carlos Saad, afirmou ser contrário à aprovação do projeto pois, na opinião dele, a proposta foi muito modificada pelos deputados federais. Para Saad, o projeto que agora tramita no Senado é "um verdadeiro Frankenstein" devido às mudanças promovidas pela Câmara dos Deputados, embora tenha nascido "com boa intenção". Como outros palestrantes, Saad disse ser contra a previsão no projeto de lei de fixação de cotas de conteúdo nacional em programas das emissoras da TV por assinatura.

Representando a ABPI-TV, o conselheiro Adriano Roberto Civita defendeu a aprovação do projeto. Para ele, a proposta vai dar mais oportunidades e visibilidade para os produtores brasileiros de audiovisual. Civita afirmou que o sistema de cotas para programas nacionais existe em vários lugares do mundo, como Estados Unidos e União Europeia.

- O produtor nacional tem poucas chances de chegar à TV comercial. É preciso mais espaço e maior democratização do setor - declarou Civita.

O consultor jurídico da ABPTA, Marcos Alberto Sant'Anna Bitelli, criticou duramente o projeto, colocando em dúvida a constitucionalidade de diversos pontos da matéria. Ele assinalou que a proposta inicial previa a regulação de serviços e o projeto analisado agora pelo Senado prevê que a Agência Nacional do Cinema (Ancine) poderá regular as comunicações como um todo, invadindo atribuições da Anatel. Bitelli também disse que o sistema de cotas para a produção nacional "é absurdo" e intervencionista, citando o dispositivo que institui diversas sanções contra canais que não respeitarem as cotas, podendo esses canais serem até retirados do ar.

- Algo que não existe nem na Venezuela. Esse projeto é um precedente perigoso para a liberdade da comunicação brasileira - disse Bitelli.

Já o presidente da Anatel, Ronaldo Mota Sardenberg, afirmou que, se aprovado, o projeto de lei vai contribuir positivamente para a organização do setor de TV por assinatura. Sardenberg disse que a Anatel apoia a abertura desse mercado, por entender que isso ajudará na massificação do serviço, principalmente entre a população de baixa renda.

- O PLC é convergente com o interesse da Anatel de massificar o acesso à TV por assinatura no Brasil - afirmou Sardenberg.

A chefe da Divisão de Assuntos Jurídicos do DPDC-MJ, Alessandra de Almeida Camargo Oliveira, informou que seu departamento recebe inúmeras reclamações de consumidores referentes aos serviços das duas maiores empresas de TV por assinatura do país, NET e SKY. Segundo ela, reclamações típicas são sobre a má qualidade dos serviços de atendimento ao consumidor dessas empresas (os famosos SACs), cobranças de serviços não solicitados ou feitas após o término do contrato e serviços de manutenção insatisfatórios ou ineficientes.

Representando a SKY, a advogada Renata Pagy Bonilha disse que sua empresa é contra o sistema de cotas de produções nacionais previsto no projeto e as atribuições que a Ancine passaria a ter. Para ela, as cotas violam o direito do consumidor, ao obrigá-lo a consumir conteúdo específico.

- O projeto impõe o consumo da cultura nacional, o consumidor vai ter de pagar um conteúdo imposto - disse Renata Bonilha, acrescentando que a proposta também permite à Ancine invadir atribuições típicas da Anatel.

A diretora da ABPA, Tereza Trautman, disse que os produtores independentes brasileiros estão "totalmente fora do mercado". Ela afirmou que os pequenos produtores brasileiros aguardam há mais de 20 anos a regulamentação do artigo 221 da Constituição que, entre outros pontos, estabelece que a produção e a programação das emissoras de rádio e televisão atenderão aos princípios de "promoção da cultura nacional e regional e estímulo à produção independente que objetive sua divulgação" e de "regionalização da produção cultural, artística e jornalística, conforme percentuais estabelecidos em lei".

- Hoje não há espaço para veiculação da produção independente e a produção regional está completamente esquecida - afirmou Tereza Trautman, claramente apoiando as cotas nacionais prevista no projeto.

Tereza também criticou a SKY por, no entender dela, preocupar-se apenas com o lucro.

- A TV por assinatura do Brasil só tem canal estrangeiro! Tanto escândalo por 1% do tempo total!- afirmou a diretora da ABPA, criticando quem é contra o sistema de cotas para programas nacionais, o que, segundo ela, usaria apenas 1% do tempo total da programação dos canais.

Ela lembrou que a maioria da produção audiovisual independente brasileira é feita com o auxílio de incentivos fiscais, ou seja, dinheiro público. E os contribuintes têm o direito de ter acesso a essas obras, pois são os impostos pagos que as subsidiam.

O presidente da Siaesp, Roberto Moreira, declarou-se favorável às cotas e, citando o recente sucesso do filme Tropa de Elite 2, afirmou que o espectador brasileiro gosta, sim, do produto nacional.

- Para desenvolver o mercado interno não há outra saída. A atividade audiovisual é regulamentada no mundo inteiro, há sistema de cotas para produções nacionais na União Europeia e nos Estados Unidos, por exemplo - afirmou Roberto Moreira ao pedir que os senadores aprovem o projeto ainda este ano.

O diretor geral da Abert, Luis Roberto Antonik, disse que sua instituição representa centenas de empresas de televisão e rádio, algumas favoráveis e outras contrárias à atual forma do projeto de lei. Ele se declarou preocupado com o compartilhamento da infraestrutura de telecomunicações do Brasil, assunto que precisa ser regrado pela Anatel em sua opinião, para impedir o monopólio das companhias de telecomunicações.

O senador Alvaro Dias opinou que o setor de TV por assinatura brasileiro é carente de um marco regulatório. Por sua vez, Ideli Salvatti disse ser favorável ao sistema de cotas.

- O difícil é trocar de canal centenas de vezes e não ver nada nacional. Não há inconstitucionalidade, há sim defesa do povo brasileiro - disse Ideli, defendendo a aprovação imediata da proposta e recebendo o apoio do colega Inácio Arruda.

- Até hoje não conseguimos dar espaço para as produções regionais brasileiras. Parece brincadeira, mas na verdade é uma vergonha! Não entendo porque criar obstáculos às cotas. Não se quer que a cara do povo brasileiro se projete! - declarou Inácio Arruda.

Já ACM Júnior ponderou que os senadores devem analisar o PLC 116/10 com calma e profundidade. Flexa Ribeiro concordou com o colega e disse que o Senado pode resolver alguns dos impasses por meio de emendas. O problema é que o projeto teria de ser analisado novamente pela Câmara dos Deputados, onde tramitou por três anos até chegar ao Senado.

A audiência pública conjunta foi promovida, além da CCJ, pelas Comissões de Ciência, Tecnologia, Inovação, Comunicação e Informática (CCT), de Meio Ambiente, Defesa do Consumidor e Fiscalização e Controle (CMA), de Assuntos Econômicos (CAE) e de Educação, Cultura e Esporte (CE). O projeto é de autoria do deputado Paulo Bornhausen (DEM-SC), o relator na CCJ é Demóstenes Torres.

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